quarta-feira, 25 de maio de 2011

TORPOR


Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
25.5.2011

Escrever ao acordar.
Traçar, sonolento, 
símbolos em um papel,
bocejos e imagens, Babel,
Exercício, disciplina matutina,
Só para esticar neurônios,
Estimular o tálamo,
Secretar endorfina.

Convém manter o telencéfalo aceso
No frio da inspiração e da rotina.

domingo, 27 de março de 2011

ASSOMBRO

No jogo de cabra-cega  /o menino e a menina  /inventaram nova regra/  (eles pensam ser novinha) / mas é muito, muito velha: /   a perna corre e não foge; / o olho vendado enxerga./ E os dois, de namorinho, / brincam é de pega-pega.
Elza Beatriz , In “Coleção Novo Caminho”,
livro de alfabetização ,Ed.Scipione
Trabalha rápida a mente
numa resposta coerente ,
elegante
uma postura distante
que disfarce a perplexidade ,
oculte a verdade ,
de mim , dela , de todos ,
em toda parte .


(Pisca a mensagem
na minha frente
embaraçadora ,
surpreendente .)
(Que fazer do amor
suposto morto
que ressurge
perturbador e novo ,
neo-paixão ,
avassaladora ?
Como reabrir
a caixa de pandora ,
já fechada
a custa de sobre-humano esforço,
para conter o gesto insano ,
o engano ? )
Pudesse dizer , convicto :
meus impulsos são todos meus ,
tudo controlo em meu espírito ,
as pulsões , pura ilusão ;
o Id e a fantasia ,delírio .
Agarrar nas mãos o vento ,
mergulhar no vazio sem medo ,
não sentir aceso o incenso ,
tocar o próprio pensamento ,
recusar a umidade da água ,
ou a lágrima que vem com a tristeza
ter sobre a paixão alguma certeza ,
ser pura razão , nenhum sentimento .

(Ainda pisca , persistente ,
uma mensagem a minha frente ;
aqui , meio dormente ,
começo a digitar respostas , lentamente .)



Supomos sempre saber
para onde vai nosso navio
temos bússola , carta de navegação ,
radares , orientação ;
mas nada antecipa o maremoto ,
nada nos previne do furacão .
Mesmo a razão de um Titanic ,
sucumbe ao Iceberg da paixão .


Súbitas  são as mudanças
no clima das relações humanas .
Meteorologista das emoções , atento ,
o poeta lê , nos astros dos olhos , o tormento ,
vê nas palavras , a velocidade do vento ,
sente o odor , no ar a sua volta , do desejo .


Assim mesmo ,
cercado de tanto cuidado e esmero ,
seu coração ,na proa do barco , vai estar ,
para que seja o primeiro a ver o mar .



É o coração , o melhor sensor da altura das ondas ,
das variações das marés , da profundidade das sondas ,
ele lê com clareza o relevo do fundo ,
e antecipa com precisão satisfatória , num segundo ,
a presença de obstáculos ocultos na escuridão ,
o perigo que ronda toda navegação .


Aqui parado neste imaginário tombadilho ,
vejo o mar de emoções a minha volta e reflito ,
na beleza da noite , da viagem  e do perigo .
 

(Agora , as coisas se acalmam ,
minha sala torna-se novamente quieta ,
fecha-se minha pequena janela ,
apenas eu , meu texto[que é dela ],
o silêncio novamente se aquieta.)


P@IXÕES


sábado, 12 de março de 2011

FINAL DE ERÓTICA

PERSEGUIÇÃO

Te vejo na rua , do carro .
Logo , estupidificado ,
sou atraído pela oscilação
dos teus seios “inocentes”
dentro da blusa insuficiente .

Lenta e decididamente ,
vou despindo-te , pouco a pouco ,
e , em silêncio ,fico rouco ,
com o que contemplo .

Um quarteirão a frente , sedento ,
depois de algumas manobras
vêm me perturbar , uma vez mais , tuas formas .
Acompanho o caminhar , displicente ,
deste corpo que , persistente ,
me desvia do caminho inicial .

Sigo teus passos ,como os de uma presa .
baixa velocidade , sorrateiro

Na verdade sou eu o prisioneiro .

OLHOS

Olhos fixos , grandes ,
atentos , estimulantes ,
roliços , exuberantes ,
como coxas lisas ,
sem marca .


Acompanho o contorno dos teus cílios
como se apalpasse tua nádega
ou teu colo beijasse .
As meninas de teus olhos
são mulheres ¾
experientes , generosas .
Neste olhar de negro inconteste
visualizo noites maravilhosas
de êxtase , de sonho .
Tudo isto , neste olhar , suponho .

O PESO DO TEU CORPO

Sinto falta do peso
do teu corpo
sobre o meu deitado ,
torporoso ,
e das minhas pernas
entre as tuas
prolongando o gozo,
nuas ,
em repouso .
Sinto falta ,
quando não estás aqui ,
de observar teus arrepios ,
e  após o ato , ver
teus espasmos tardios ,
enquanto deslizo ,
meus dedos vadios ,
delicados ,
por tuas costas ,
nádegas , braços .
Ávidos ,
te exploram ,
com o carinho de arqueólogos ,
ao espanar as relíquias
que retiram dos monumentos .

Não há , pra mim ,
melhores momentos .

LUXÚRIA

No amor e na existência
nas estradas - livres - da indecência
preocupados em ficar sossegados,
quietos , exilados,
distraídos de toda preocupação
toda responsabilidade , aporrinhação
mergulhados um dentro do outro,

permanecemos
harmônicos,
anônimos ,
 discretos,

você passiva, eu ereto,
gestos comedidos,
 secretos,

belos,
maravilhosos gestos.

LÍQUIDOS

Chove .

E deve chover mesmo
enquanto faço o que devo
percorrendo , desejo em desejo ,
tua estrada de delícias .

Chove .

Meu lábio , há muito ocioso ,
vai buscar teu sexo ansioso ,
teus calorígeros sabores
tua matéria alucinada :
barriga , perna que não se acaba ,
pele demais pra pouca língua ,
úmida , tépida , salgada .

Chove

Aqui e lá fora
líquidos fertilizam a flora
jorram cascatas gloriosas
do mais puro frescor.

O céu ama a terra ;
nós fazemos amor .

LEMBRANÇAS

Te desejo de muitas formas e modos .
Capturo tua imagem e elaboro
em rememorações , fantasias , solilóquios .
Pensando nas tuas formas , me demoro
Mente trabalhando , aqui deitado ,
saboreio migalhas da imaginação
extraio sensações da fumaça,
teço corpo , clima , situação.
Começo pelas pernas maravilhosas ,
longas , quentes , voluptuosas ,
devorando-as com cuidado e devagar ,
iguaria sem par para línguas gulosas .
Depois passo minhas mãos etéreas
por essas nádegas alvas , rijas , rotundas ,
descendo devagar meus dedos pelo meio
até encontrar tua parte mais fecunda.
Aí , com cuidado e esmero ,
fico trabalhando , pra teu desespero ,
minutos e minutos , sem pressa , com malícia ,
arrancando suspiros desta delícia .
Contorno depois teus mamilos ,
e desço as mãos pelo lado ,
corro os dedos pelo umbigo ,
mais para baixo ,
onde é mais molhado .
Aí novamente me demoro
na execução desse bendito rito
olhando teu rosto avermelhar ,
esperando o gemido virar grito . 
E no teu delirante gozo ,
explode também o meu delírio .

INTERCURSO

Pele dela
pela fresta
negra greta
sem aresta
reta .
Têtas eretas
púbis - floresta
que o membro penetra
penetra
e penetra .
Prazer a postos
como sentinela .

GOSTOS

Gosto de deslizar minha língua em tua coxa
lenta, úmida, macia ,
de perder assim a tarde e o dia ,
reconhecendo terreno ,
vivendo entre teus gemidos ,
morrendo por teu veneno .


Gosto de provar da tua boca
o sabor desta língua louca ,
o gosto das coisas que desejo ;
tua voz baixa e rouca ,
murmurando enquanto tiro tua roupa ,
e desvendo aos poucos teu segredo .



Gosto do gosto do mundo
que tiro do meio do teu seio ;
gosto do seio de teu meio
onde sou uno .

FANTASIAS

o som da tua voz é cálido
como se o telefone
transmitisse hálito.
Toco teu  mamilo em pensamento
com esta mesma fálica língua
que agora movimento
enquanto falo.
Ouço tudo que dizes
e , embora trêmulo ,
calo .

EROS E O ALIMENTO

Minha mão erra  ,
por cada centímetro de tua pele  ¾
monótono , no que é visível ,
o jantar prossegue .

Conversamos amenidades
falamos da música , da idade .
Só ênfases descabidas
denunciam excitação .
Mais sábia ,
avança minha mão ,
e tolices ganham indevida intonação .


Sua boca balbucia as palavras ,
num discurso anormalmente plácido ,
a comida no ar , parada ,
à espera não dos dentes  , mas do orgasmo .

DEVOÇÃO

Suor exposto à luz ,
teu corpo compõe a cena ,
no fundo do lençol azulado .

Linhas que oscilam , lindas
constróem a estrutura nua ,
como cores fortes de um quadro .

A luz atravessa as gotas
transformadas em prisma natural
que difunde na penumbra do ambiente
aspectos de catedral .

Dormes tão tranqüila ,
respiração profunda ,
visão de ternura infinita .

Olho teu corpo ,relaxado ,
aqui na cama , sentado ,
e penso : como és bonita .

CORPO NEGRO

Frescor agradável que se alastra
odores da dignidade da raça
etnia que o erotismo encarna.

Corpo negro
deitado ,
saudável pulsação
no espaço ,
pairando envolvente ,
no quarto ,
o cheiro de fêmea,
marco
de intimidade animal ,
tato
que surfa no suor da pele :
ato.

Na escuridão arfante ,
o membro agradecido e latejante ,
repousa ainda dentro do amante ,
hesitante.

CONTEMPLAÇÃO

Erótico traçado
misto
outras vezes visto,
mas tão raro
conhecido e sempre novo,
território do ócio , do gozo ,
da vertigem ,
proibido para a virgem .
Erótico traçado
perímetro da loucura
que a mão percorre , nua ,
em busca do já sabido ,
embora sempre desejado .
Erótico trançado , trancado ,
e sempre a se libertar ,
orgasmo eternamente aprisionado
em busca de ar .

INÍCIO DE NOVO LIVRO


ERÓTICA
Mario Sales

Abril 1995


"Não é pavoroso fazer de sentimentos necessários e regulares uma fonte de miséria interior e dessa forma querer fazer da miséria interior , em todo homem , algo necessário e regular?... graças aos cochichos e aos ares de mistério da Igreja em todas as coisas eróticas ela fez com que até em nossos tempos, a história amorosa se tornasse o único interesse efetivo que é comum a todos os círculos, em um exagero inconcebível para a Antigüidade e que um dia ainda dará lugar à zombaria."

Nietzche ,in Aurora, pág.76


domingo, 6 de março de 2011

TUA PELE

É tua pele que me motiva:
quente ,
viva.
Não quero uma amiga,
nem palavras,
ou solidariedade:
quero a carne,
o toque,
física realidade .
Verdadeiramente
é isso  que me preenche,
densificando meu sentimento,
referenciando minha paixão ,
amor de  ação,
movimento.
Tantas idéias ,
tantos desejos,
me encheram de anseios
e frustrações ,
me fizeram mestre em elucubrações
escravo de fantasias
prisioneiro de lembranças.
Agora quero a liberdade da vida, das reentrâncias ,
a aspereza das dobras,
a suavidade das curvas,
tato, sem idealização ,
sem culpas.
E  se, nesse momento
um suspiro brotar,
sem susto,
estarei tranqüilo:
será um suspiro justo

SORTILÉGIO

Demora-se o momento
arrasta-se a hora;
agora
não há imagem nem idéia.
Do fundo da paidéia
no silêncio do incenso,
conjuro o espírito da poesia ,
da mania ,
da arte , do som ;
o dom
da música e da narrativa
para que traga sua bênção criativa.
Ritual de chamamento ,
mágica convocação ,
manifestação na palavra
da sensação .
Sortilégio de espectros
indistintos;
em busca de traços sucintos,
contornos,
rostos,
máscaras de expressão.
Surgem então os primeiros vórtices,
torvelinhos de letras ,
furacões consoantes,
vogais um pouco mais nítidas ,
sedas,
para as vestes líricas.
Vêm ainda perdidas em profusão,
soltas,
loucas,
mariposas em torno do lampião.
Os ventos da criação, agitados,
espalham sílabas pra todos os lados,
em minha cabeça greco - carioca,
toca
onde se estoca a provisão de frases e termos rebuscados
para o inverno branco do papel.
Mel
para meus neurônios cansados,
ansiosos por retirar
do ainda - não - expresso
seu véu.
Riscos à êsmo
cenas ainda turvas, obscuras,
lampejos
que riscam a mente,
que contempla tudo estática,
silente.
A velocidade dos fachos se reduz, então,
desenhando pseudo - perímetros,
ora de quilômetros,
ora de centímetros,
pulsação que propõe
e, em seguida, dispõe
o proposto,
apagando a cena
desfazendo um rosto.
Num minuto julgo 
delinear um vulto;
no outro recuo, confuso,
e aguardo mais um pouco,
até que defina-se o contorno.
O que surge, no entanto, é ainda incerto,
tortuoso,
complexo.
Mais:
duplica-se num reflexo
e amplia-se num outro e negativo universo.
Volta-se sobre si mesmo como Narciso
paralisado por sua própria forma no espelho
e sem que eu fosse a despertá-lo com meu grito
desvanecer-se-ia sem produzir poema ou texto.
(é função do poeta ordenar os espasmos das imagens
para que o caos , transmutando-se em paisagens,
faça que o disperso se condense em verso.)

O poema avança em rodopios redundantes,
perplexo por sua estética errante,
procurando transformar-se em sentido .
E, pasmo, por mais que a situação pareça estranha,
constata que o enredo que se forma,
mostra ,
ainda que de maneira torta,
uma visão panorâmica de suas entranhas.

Então, após este complexo estratagema,
nasce o poema.