sábado, 19 de fevereiro de 2011

DESCENDÊNCIA


                                                                              (Ubatuba,21.10.94)

Por pouco não nasci da virgem.
De filho de “das Virgens” não escapei.
Maria das Virgens,especial entre tantas.

Seria grega
não fosse o acidente geopolítico
que a fez natural de Areia Branca
perto de Mossoró.

Fora este detalhe de somenos
minha mãe é grega:
mulher de marinheiro;
verborrágica como uma ateniense.
Cômica,
porém  crente no destino trágico,
destino que amealha
homens e coisas,
irrevogável como decreto de um rei.
Destino grego,portanto.

Todas as coisas que existem
ou ocorrem,
nascem ou nasceram na cabeça de minha mãe.
Pelo menos,assim parece.

A cada evento,
cada momento do cotidiano,
ela acrescenta:

“-Já sonhei com isso” ,
dando alguns passos à frente,
com a solenidade de uma pitonisa
que vê se realizarem seus presságios.

E seus sonhos 
mais que em Delfos,
são herméticos,
esfíngicos.

Da incompreensibilidade de suas visões oníricas
tira sua autoridade.
Símbolos,por demais secretos,
prestam-se a qualquer leitura,
várias interpretações.

Seu oráculo,assim,
adequa-se sempre
ao ocorrido.

Já meu pai,
sem o saber,
é um avatar de Vishnu:
trabalha
incessantemente
pela preservação das coisas.

Desde agora
até o mais distante passado,
sempre o recordo
consertando alguma :
chuveiros,
vassouras,
televisores,
ferros elétricos,
nada passa por suas mãos
sem se renovar
e exibir um funcionamento melhor.

Além de representar a ordem
meu pai também a manifesta,
restabelecendo o ritmo Vishnuísta das coisas.

Viajante por profissão
quando chegava,
após longos períodos de ausência,
sempre transformava o ambiente
e a casa mergulhava
em tranquilidade profunda.

Por isso eu o chamo
Manoel,o Restaurador,
“essi minino”,
avatar de Vishnu nordestino,
que unido a “Pitonisa da Caatinga”
me gerou.



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