sábado, 19 de fevereiro de 2011

PARA QUE PRECISO DO GANGES ?


abril 94
            
           Para que preciso do Ganges
se  tenho o Paraíba do Sul
com suas águas amareladas?
Não preciso dos ghaths de banho
tenho as calçadas
onde se lavam os  carros
de Campos dos Goitacazes.
E em Guaratinguetá o silêncio noturno
dos povoados , a simplicidade
das comunidades pacatas
permeadas de religiosidade.
Não,não preciso de Calcutá,
altaneira,Aparecida lá está
tremenda em seus campanários
a rivalizar com o Vaticano;
e as Kumba-melas,
com seus pobres e santos,
com seus devotos e mendigos estão lá,
em Aparecida
justo ao lado de Guará.
Silencioso e permanente
trespassando tudo isso,
o Paraíba continua,indolente
em direção  sabe Deus onde-
galhos,gravetos,vórtices 
sonhos de hoje , de ontem
lembranças,minhas lembranças,
anos às suas margens - herança.
 (Houve um tempo em que me afastei do rio.
Fiquei longe ,perto do mar,
Puniu-me  êle então pelo desvario
aprendi a dor,o medo,o chorar.)
Quedo-me agora , nesta ponte, a contemplá-lo
como a me dar conta,surpreso, pasmo,
de estar  mais uma vez  à sua frente
deste silencioso ciclo fluvial  ter fechado.
Confirma-se o dito de Vasudeva à Sidarta
"-Tudo que passa pelo rio,retorna."
Mas quem é este à minha frente,agora?
Este  rosto que  as águas refletem  não conheço
Sou  um completo estranho a mim mesmo
Nestes anos de forçosa ausência
o processo em mim continuou .
Mesmo quando  me encontrava distante
meu rio em mim fluiu,mudou.
Como êle,o rio, pareço o mesmo;
como o rio, o mesmo já não sou.
Sou a sombra do que fui outrora
uma imagem ,aquilo que sobrou.
Os rios podam as  margens
meus orgulhos, a vida podou.
 O rio leva consigo o barro
rios são feitos de detritos,
homens, de "presentes" , "passados".
Como o rio,hoje sou caudaloso, denso.
  Não apenas o líquido da minha existência
sou lama e  terra que carrego comigo,
fluxo e destino,presença.
Muitas  são as partículas que me compõem
quem me olha não me supõe mosaico
julga-me erroneamente  inteiro  -
como o rio não mostro meus pedaços.
Em mim tudo flui em conjunto
e a água das minha palavras me condensa.
  Paraíba,Paraíba ,como és sábio,
  tua igualdade oculta diferenças

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