Tanta calma me invade
neste verde que entra pelas unhas
pelas minhas portas,
sem bater
e dentro de mim,
sem pedir permissão ou licença,
me enternece.
A paz destas cigarras,
a monotonia destas vozes,
esse microtumulto doméstico,
tão tranquilizador.
Tudo isso tão fácil.
(Volta e meia,um carro
à frente da porta,lá na estrada,
só de passagem,como se esse lugar
não existisse a não ser para observar,
para contemplar os outros,
enquanto o drama da existência se desenrola
fora
daqui.)
Aqui não há tempo
nem isolamento.
Dois universos,
um cronológico,outro não,
se interpenetram.
[1]Nispandha bhava:
as vozes me silenciam ,as cigarras me silenciam,
o som do sol ,batendo na grama ,me silencia.
E bastaria que eu ultrapassasse a porta do meu consultório
para que mergulhasse em meu relógio,
e me afogasse em durações,
harmonizando ,à força ,as pulsações
do quartzo no aparelho
com as do coração no meu peito.
Tudo a seu tempo.
Agora ,o vácuo
e o barulho discreto do balanço das folhas das plantas
que posso ver lá fora , pela porta dessa sala
é o que importa.
Deixem-me por enquanto ficar aqui,
no intervalo entre dois momentos,
entre duas compreensões/compressões do tempo
das quais o próprio tempo é escravo.
Nem mesmo ele chamado “O devorador”
pode escapar à ação da consciência que determina o sentido
que o olha e grita:
“- Pára ,tempo!”
“- Anda ,tempo!”
“- Rasteja ,tempo!”
e o tempo humilde , a obedecer,
com o som das cigarras ,feito gargalhadas,
a debochar de sua subserviência.
[1]Nispandha Bhava é um tipo de técnica de meditação yogue que usa os sons incidentais quotidianos para silenciar a mente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário