Toda vida tem suas “ruas”
seus “becos” e “avenidas”
seus “muros”, suas “guaritas”,
seus transeuntes embriagados.
Toda vida tem seus “prédios”
às vêzes prontos,
ou inacabados,
produtos da idéia de uns
e do suor de muitos;
somos a vida toda,muitos,
sem que consigamos ser ninguém,
sem que consigamos ser ninguém
além daquele que julgamos ser
e nas poucas vêzes que encontramos
após longos meses,ou anos,
alguém com que possamos,
numa esquina da existência, compartilhar,
não são poucas vêzes que,
por mêdo ou displicência,
perdemos a chance de conversar
e de,simplificados,
tomarmos,descuidados,
um “cafezinho” num “bar” qualquer
com alguém qualquer,que esteja lá,
no mesmo “balcão”,
na mesma “esquina”,
no mesmo instante—um passante,
como nós.
Nas esquinas destas ruas
já conversei com almas nuas
ou com corpos flexíveis,
tanto quanto com espíritos
totalmente empedernidos;
já falei de música e política,
encontrei camaradas,conquistei amigos,
tanta gente,tantas “estradas”,
tanto “vielas”,quanto “ruas residenciais”.
Com poucas pessoas no entanto,
parei pra realmente conversar,
neste balcão onde encontrei Fernando.
Num recanto do meu próprio bar fumacento,
já estiveram Paulo,Newton,Nascimento,
Vera,Silvio e Isabéis,
filósofos,religiosos,coronéis.
Todos os dias,encontro comigo mesmo,
e todas as noites me embriago,
eu,que nunca bebi um trago.
Aqui neste meu imaginário bar
afogo as tristezas e as mágoas
nas “garrafas de conversas”,as mais desgarradas,
na cachaça em que se transforma a companhia
daqueles com quem julgo necessário ganhar madrugadas.
ao som da música da linguagem
ao sabor de muitos copos de palavras.
(Bebo e me embriago pelo ouvido;
aos outros embebedo com minha boca.
Só os gregos “beberam”tanto assim;
conversar,aos poucos,torna-se um vício.)
Muitas ruas,diligente,percorri,
os encontros a se sucederem;
cada esquina,uma cabeça,
cada cabeça boa,uma conversa,
cada conversa, um porre,
cada porre, um prazer.
Passei também
por muitas esquinas sem encanto
aliás,já faz muito tempo,mais de ano,
que não bebia bem,nem tanto,
minha orelha seca por beber.
Minha língua quieta
meu coração à espreita,
(pois,nas ruas da existência,
enxerga-se melhor sem os olhos,
vê mais longe quem melhor fareja,
quem vasculha os becos e as ruas da vida
buscando pelo odor da paixão.)
Há muito tempo não bebia,
o cafezinho dialético,
de gosto tão próprio,
tão especial.
Cada esquina uma proposta,
eu,ansioso por um sinal,
uma resposta,
aos acenos do meu espírito
ávido por con-viver.
Era a deixa pra você aparecer.
Mulher de outra rua da cidade,
outra região,
companheira dessa esquina,
dessa junção
em que nossas ruas se encontram,
se dão,
onde nosso bar se materializa
e nosso porre se justifica.
Companheira dessa esquina
em que ambos agora estamos
neste bar em que nos encontramos
pra conversar e fazer amor
pra amar e fazer conversa
pra distrair de tanta dor,
tudo isso enquanto,lá fora,
o mundo passa com pressa.
Solange,mulher amada
Será que não lhe vi em outras esquinas?
Não lhe encontrei em outras vindimas?
Já não bebemos em outro bar?
(Por que o ser amado é sempre tão familiar?
Porque sempre nos assusta tanto com sua intimidade,
com esta mágica facilidade
que tem pra nos decifrar?)
Nessa esquina em que nos encontramos
por algum tempo fechemos nosso bar,
e com o fundo das canções do amar,
dancemos ,sozinhos,por entre as mesas,
esquecidos por instantes das certezas
que empurram,em outras ruas,outras pessoas.
Cansemos nossas bocas com beijos,
matemos nossa sede de carinho
fiquemos algum tempo aqui,sozinhos,
pra com calma o encontro comemorar.
Companheira amada dessa esquina
extrema ponta de outra idéia de cidade
se nunca lhe vi,por que esta saudade,
que só sua presença aplacou?
Amada amiga dessa esquina
que me beija,me acaricia e ensina
a beber como bom simposiasta,
celebrando com Baco esta graça
de encontrar alguém pra dividir o balcão
no qual se apóia,não o braço,mas o coração.
Nesse mágico bar que nos ensandece
a cabeça com o discurso,
idílico bar onde se enlouquece
os corpos,no silêncio,no intercurso
dos encontros
dos gemidos dos que dançam
tontos
neste bar dos amantes
esta música doce,quente,instigante,
concerto para Oboé,Violinos e Solange
que me compraz,justificante,
como a graça que justifica o cristão.
Bêbados,neste barzinho,
já esquecemos da esquina faceira
tão importante quanto passageira,
encontro das ruas de nossas vidas.
Cada bar torna-se uma rua nova,
que se alongará e estenderá,grandiosa,
em função do que ocorra no balcão,
dependendo do grau de embriaguez da razão,
tanto quanto da intensidade da emoção.
Eu queria que nosso bar,nossa rua,
fosse tão linda quanto você,toda nua
rua feita para as vicissitudes do caminhar,
sem prédios altos ou labirínticos pra se ocultar
sem casas velhas,
sem velhas
pra assustar.
Não queria que fosse uma rua sem memória,
só que fosse sem passado,
sem fantasmas,sem pecado,
já que a rua presente é tão bonita,
já que você é tão bonita,
já que tudo é tão bonito.
Não queria que fosse avenida
barulhenta,movimentada
(as pequenas ruas são mais românticas,
calmas e sossegadas)
Com certeza,entretanto,
terá esquinas em algum lugar.
Toda rua,eventualmente,cruza com outra,
o destino das ruas é se encontrar,
O caso é que nem toda esquina tem um bar,
nem todo bar vira rua,
nem todo encontro vira amizade.
É tão difícil o caminhar nas ruas da minha,
como nas da sua cidade.
Por isso dois são precisos
para explorar os becos desconhecidos
pra dividir esta caminhada,
dividir esta jornada
pra dentro de nós mesmos
e de tudo mais.
Vem,Solange,comigo pela rua,
vem comigo e esta lua
amar nos bancos e postes,
no chão de nossas calçadas.
Vem Solange,vem amada,
pisar nas poças de nossas chuvas,
brincar nas águas residuais.
(Toda tempestade deixa poças,
as mesmas poças habituais
que divertem os solitários
e constrangem os casais.)
Toda poça é uma lembrança
uma rua pro passado.
Pisa as poças amada,brinca,
que as poças são pra brincar.
Só se angustia com as lembranças
quem não sabe mais amar.
As chuvas passam,
as poças secam,
restam as ruas e o luar.
Ah!Solange,minha querida,
companheira dessa rua,dessa esquina,
minha amante,minha menina,
que aprendi a desejar,
vem que tenho beijos,
vem,que tenho carícias,
vem que tenho palavras
com as quais posso lhe embebedar.
Vem que lhe quero minha,
vem Solange querida,
minha amada ,minha menina,
nesta rua caminhar
Nenhum comentário:
Postar um comentário