sábado, 19 de fevereiro de 2011

POEMA DO PLANTÃO


Cães
ganindo como desesperados
são meu único fundo musical.
Um zeloso e insuportável guarda,
minha única companhia.
Não há mais ninguém
apenas folhas de receituário
para veicular emoções e solidão.
Patética e higiênica forma
de reclamar do viver
ou de elogiar o viver
(se for o que se quer).
Lá está o cão
ganindo novamente.
Seu uivo é desesperado
mas não me toca.
Minha própria insônia estetoscópica
me embrutece a percepção
e a capacidade de enternecer-me.

Estou exausto.
Não. Exausto não.
Cansado.
Mas o sono me assusta
por ser sono;
acho-me tão inútil quando durmo!

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Agora fui lá fora.
(O ganido me tocou.)
Não ouço reclamação tão eloqüente há anos.

Madrugada fria esta.
Penso nos ideais da adolescência.
Sinto-me um idiota.
Todo homem deve sentir-se um idiota
alguma vez na vida
mesmo os bem sucedidos.
Esses também devem sentir-se idiotas
algumas vezes.
Há uma importância ontológica
em sentir-se idiota.
Pra mim
fundamental é ter lucidez
para perceber que me comportei como tolo,
desconcertado
desastrado,
inúmeras vezes;
que ,de muitos modos,
fui “O Idiota”.


Eu era
(ou sou)
tolo,
sim.
Receio
que após um período de tolice
eu me torne amargo.
Não tenho certeza quanto a isso,
mas a amargura é sempre uma possibilidade.

Ah onde está este difícil equilíbrio
entre ser coerente com os ímpetos
e com os deveres?
Estes deveres que nos são impostos
por esta maldita auto - censura
que o discernimento nos faz..
Não as coisas que nos impõem
mas as coisas que nos impuseram
e que ,hoje, nos impomos.

Acho que a necessidade faz o homem,
mas acho também que o homem
pode ,se o souber,
fazer da necessidade um prazer.
Falta-me ainda descobrir o trabalhar
como um prazer
além da necessidade,
ou como uma necessidade mais forte,
uma vez que o prazer
não passa de uma necessidade inadiável
às vêzes adiada.

Que me resta senão ficar aqui,
escrevendo estas tolices,
aparentemente desconexas,
ao som de um caminhão eventual que passa,
vozes humanas que eventualmente se ouvem,
bem como passos humanos
e não tão eventuais ganidos,
uivos ,latidos,
quase ininterruptos,
de - suponho -
todos os cães da redondeza?

(Um miserável acaba de tentar conseguir uma cama,
pra passar a noite.
No repouso feminino ,uma dispnéia se agravou.
Algumas ordens e injeções
e tudo se alivia ,se aquieta.)


Só resta o uivo dos cães,
o barulho da caneta no papel
e,(quem pode negar?)
o ruído dos meus pensamentos
que fluem livres,
coerentes com sua liberdade,
por isso desconexos.

Pra não ser injusto
resta ainda
a porta do consultório em que escrevo
que , incompletamente fechada,
oscila e range,
ao sabor do vento.

E a madrugada se arrasta.

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